Entenda o complexo caso de Suzane Von Richthofen
Parecia ser apenas mais uma tarde comum em um dos domingos de agosto de 1999. Manfred, Marísia, Andreas e Suzane von Richthofen, uma família da elite paulistana, foram ao Parque Ibirapuera para um passeio sem maiores pretensões.
Entretanto, quando chegaram lá, Andreas, o mais novo, se encantou com o que um rapaz estava fazendo: aeromodelismo. Era incrível para ele ver aqueles pequenos aviões pelo céu e não demorou muito para que se aproximasse do homem que estava praticando.
Andreas queria aprender aquilo e Daniel Cravinhos, o tal piloto, disse que dava aulas e que inclusive montava os próprios aeromodelos. Com o gosto em comum, logo Andreas e Daniel ficaram bastante próximos, o que Manfred e Marisa, pais dos garotos, não achavam ruim. Suzane, sempre de longe, achava Daniel um cara “bonitinho” e parecia haver reciprocidade no sentimento.
Daniel, por seu lado, continuava próximo a Andreas para que pudesse também estar perto de Suzane, que o atraía de uma forma que nunca antes sentira. A menina, então, decidiu dar o primeiro passo e, através do irmão, mandou um bilhete para o instrutor. Andreas percebeu o clima que rolava e, gostando muito de seu amigo, ajudou este a se aproximar de sua irmã, além de ajudar sua irmã a conquistar Daniel.
O estopim para que ambos começassem a se relacionar estava dado e, em pouco tempo, estavam saindo. Daniel apresentou seu irmão Cristian para Suzane e, então, Suzane, Daniel, Cristian e Andreas passaram a ser uma espécie de grupo, cuja coluna central era o fato de que os dois primeiros queriam se relacionar.
A não aprovação de Marísia e Manfred
Inicialmente, os pais de Suzane achavam que Daniel era apenas um caso em que a filha queria se divertir e sentiam que tudo aquilo seria passageiro. Com esse sentimento, em nada opinavam a respeito dos dois. Contudo, com o avançar do tempo, Manfred e Marísia começaram a perceber que o relacionamento estava ficando sério e isso passou a de fato preocupar.
O casal não achava que Daniel era alguém correto para o futuro da filha que criaram com tantos privilégios. Ele não possuía estudo e trabalhava para ganhar R$ 1400 por mês com aeromodelismo, enquanto Suzane estava para ingressar na faculdade de Direito da PUC-SP e tinha um futuro brilhante pela frente. Eles sabiam que Suzane conseguiria alguém que fosse “melhor”.
Assim, passaram a deixar claro para a filha que desaprovavam a relação e que não queriam que ela continuasse a ver o rapaz. Ela precisava focar nos estudos. Por outro lado, Suzane achava a atitude dos pais implicante e sem sentido, acreditando que eles não poderiam ditar a bel-prazer o que seu coração sentia. Ela queria estar com Daniel, estava apaixonada por ele e não desistiria disso.
O casal apaixonado passou a ser inseparável e não conseguia fazer nada sem que o outro estivesse junto. Para estar com seu amado – e para também provocar os pais que a irritavam com as discussões por conta de Daniel -, Suzane deixou de ir à sua colação de grau no ensino médio. Na faculdade, Daniel fazia as tarefas escolares com Suzane, tendo ambos criado uma codependência muito forte a ponto de terem feito altares um para o outro em suas casas para que, quando estivessem separados, ainda pudessem “estar juntos”.
Manfred e Marísia queriam o fim disso o mais rápido possível, ainda mais quando descobriram que Daniel e Suzane usavam drogas juntos, que o rapaz já tinha passagens pela polícia por conta disso e que Suzane não se dedicava à faculdade de maneira alguma, apenas querendo se entorpecer e aproveitar momentos de prazer com o namorado.
Momentos de tensão
Suzane, com a desaprovação explícita dos pais, passou a se encontrar com o amante às escondidas. Não foram poucas as vezes em que ela dizia aos pais que iria dormir na casa de uma amiga para se encontrar com Daniel e passarem a noite juntos. Contudo, em um dia que decidiu usar essas estratégias para fugir das broncas de seus pais, sua mãe a descobriu e, quando Suzane voltou para casa pela manhã, uma discussão enorme se instaurou entre elas, com Manfred acompanhando sua esposa.
No fim, Suzane recebeu a ordem de que estava proibida de ver Daniel. Ela precisava voltar a ter foco nos estudos e parar de usar drogas. Esse ultimato fez com que tudo degringolasse.
Suzane já estava diferente. Desde que havia conhecido Daniel e o tornara uma espécie de ser digno de seu louvor integral, Suzane, que costumava ser amiga de sua mãe e uma pessoa doce com todos a sua volta, havia se transformado em alguém que não dialogava mais, que gostava do enfrentamento e que não ligava para as consequências de seus atos.
Mesmo sendo proibida, ela não deixava de levar Daniel à sua enorme casa e, sempre que o fazia, brigava aos gritos com seus pais dizendo que continuaria fazendo o que bem entendesse. Contudo, em determinado momento, Suzane se viu cansada. Não queria mais brigar com os pais. Ela os amava, assim como amava Daniel.
Assim, tomou a decisão de dizer a eles que tinha terminado o namoro e que agora focaria de verdade nos estudos. Porém, a única razão para dizer o que seus pais queriam ouvir era a de que não queria mais ouvir as broncas. Ela queria estar em paz – e com Daniel. Dessa forma, encontros às escondidas voltaram a acontecer, mas com Manfred e Marísia sempre desconfiados, logo foi novamente descoberta.
Com isso, a relação entre eles chegou ao insustentável.
A proposta
Em julho de 2002, os pais de Suzane viajaram para a Europa, onde o plano era ficar um mês fora. Para Suzane, nada podia ser tão perfeito quanto isso. No dia seguinte à partida de seus pais, Suzane trouxe Daniel para sua casa e, ali, durante todo o mês, moraram juntos como se tudo aquilo que usufruíam fosse fruto de uma união estável e das conquistas de ambos. Todos os dias eram perfeitos e, com o aproximar da data em que seus pais voltariam, ela percebeu que queria aquilo para sempre.
Com os pais em solo brasileiro, Suzane decidiu que precisava ter uma conversa séria com eles. Ela disse que precisava sair de casa, pois amava Daniel e era com ele que queria estar, não importasse o que pensassem. Desta maneira, concluiu pedindo aos genitores um apartamento – ou um flat – para que pudesse viver seu romance com o instrutor de aeromodelismo.
Gargalhando, Manfred achou a proposta ridícula e disse que a filha deveria se formar, trabalhar e – só então – morar com quem quisesse.
Em setembro do mesmo ano, Manfred e Daniel finalmente chegaram a discutir diretamente e pessoalmente, o que resultou em uma chamada da polícia à residência onde os Von Richthoffen moravam. Nesta ocasião, ambos fizeram ameaças um ao outro.
Foi então que, com este evento, com a recusa dos pais e o mês incrível que tivera em sua casa com Daniel na cabeça, Suzane decidiu fazer algo.
O crime
Suzane queria matar os pais, e Daniel estava dentro. Cristian devia um favor a Daniel e, mesmo negando nas primeiras vezes em que foi abordado, acabou aceitando participar do plano pela quantia que receberia.
O planejamento durou cerca de um mês. Chegado o dia 31 de outubro de 2002, Suzane e Daniel pegaram Andreas e o levaram para uma lan house que ele gostava para que pudesse jogar videogame e, claro, estar longe da cena horrível que aconteceria em breve. Na mesma lan house, Cristian aguardava o casal.
Assim que Andreas entrou no estabelecimento, Cristian, que não deveria ser visto pelo irmão de Suzane, saiu e encontrou Daniel e sua namorada. Dali, foram direto para a mansão onde a família von Richthofen morava. Não havia perigo de serem pegos por câmeras de segurança, pois, como parte do plano, dias antes, Suzane havia desligado todos os equipamentos e alarmes de sua casa.
Por volta da meia-noite, eles estacionaram o carro que estavam na garagem e, ao descerem, foram até o porta-malas onde pegaram barras de ferro e vestiram blusas e meias-calças com o intuito de não derramarem pelos dentro do imóvel. Suzane então abriu o portão para os irmãos e, ao acender a luz de um dos corredores, mostrou para eles qual era o quarto em que seus pais dormiam e deu o aval para que fossem.
Enquanto eles subiam, Suzane separou sacos de lixo e luvas cirúrgicas.
No quarto do casal, Daniel foi em direção a Manfred – com quem tivera uma briga recente – e Cristian para o lado de Marísia. Ali, o casal começou a ser duramente golpeado na cabeça pelas barras de ferro. Manfred faleceu na hora, mas Marísia ainda ofereceu resistência, embora atingida. Ela precisou ser atingida 5 vezes para parar de implorar para os “assaltantes” não fazerem nada com seus filhos. Cristian ainda colocou uma toalha na boca da mãe de Suzane para que ela parasse de fazer gemidos de dor.
Confirmada a morte dos dois, Daniel colocou uma arma pertencente a Manfred perto de seu braço, ao lado da cama, e cobriu o rosto dele com uma toalha. Já Marísia foi envolvida em um saco de lixo – aquele separado por Suzane. Outros sacos de lixo foram usados para guardar as roupas ensanguentadas dos assassinos.
Suzane aguardou o crime acontecer sentada no sofá da sala.
Com as mortes executadas, o trio roubou algumas joias e todo dinheiro em espécie que havia no imóvel – 8 mil reais, 6 mil euros e 5 mil dólares.
A simulação
Com o fim do crime, Cristian foi deixado na casa de sua avó e então a segunda parte do crime começou a se desenrolar. Suzane e Daniel foram para um motel que costumavam frequentar com a intenção de criar um álibi. Ao saírem do motel, o casal passou na lan house, pegou Andreas e foi para a casa de Daniel, onde ficaram até um pouco antes das 4h da manhã.
Dado esse horário, Suzane e seu irmão voltaram para casa, onde chegaram às 4h. Quando lá estavam, a mulher comentou que estava achando estranho o fato das portas estarem abertas. Com cautela, ambos entraram na residência, momento em que Andreas começou a gritar pelos pais ao entrar na biblioteca. Sem resposta, Suzane correu para a cozinha, pegou uma faca e entregou para seu irmão, ordenando que ele permanecesse do lado de fora da casa.
Sozinha na mansão, Suzane ligou para o namorado e depois saiu, onde, junto com Andreas, passaram a fazer diversas ligações para dentro da mansão onde moravam. Daniel chegou às 4 horas e 9 minutos da manhã à casa de seus “sogros” e, nesse mesmo minuto, chamou a polícia.
A investigação
O caso desde o primeiro dia ganhou a atenção da mídia. A princípio, tratava-se de um assalto, mas não demorou muito para que se percebesse o amadorismo com que tudo foi feito. A cena toda parecia encenada, segundo os policiais. Com isso, o trabalho investigativo focou em pessoas que seriam próximas da família, incluindo Daniel Cravinhos, então namorado de Suzane.
Com amigos da família prestando depoimentos, foi fácil descobrir que Manfred e Marísia não aprovavam o relacionamento da filha. No dia 04 de novembro, Suzane prestou um depoimento de duas horas à polícia na delegacia.
Após suspeitar da compra de uma moto nova por Cristian Cravinhos poucos dias após os assassinatos, sendo esse irmão de Daniel Cravinhos, desafeto do casal morto, a polícia o prendeu preventivamente, enquanto interrogava Daniel.
No dia 8 de novembro de 2002, Cristian, Daniel e Suzane confessaram o assassinato do casal. O caso chocava o Brasil e o mundo. Ninguém conseguia acreditar que uma filha arquitetou a morte dos próprios pais. Mais ainda, não conseguiam acreditar que ela havia ido ao enterro deles e chorado em frente aos caixões sabendo que tinha sido a causadora daquilo.
O julgamento e o patrimônio do casal
Após seis dias de julgamento em 2006, Suzane von Richthofen e Daniel Cravinhos foram condenados a 39 anos de prisão e mais seis meses de detenção. Já Cristian Cravinhos foi condenado a 38 anos de reclusão, mais seis meses de detenção.
Quanto ao patrimônio do casal von Richthofen, no dia 8 de fevereiro de 2011, a justiça decidiu que a jovem é indigna de receber a herança, pois foi condenada por matricídio – homicídio contra a própria mãe.
O processo de inventário e partilha estava sob análise da justiça desde dezembro de 2002, dois meses após o crime. Suzane ainda tentou pensão alimentícia do espólio dos pais, mas o pedido foi negado pela Justiça.
Em outubro de 2014, Suzane procurou a Justiça a fim de abrir mão de toda a herança em benefício do irmão, Andreas, e manifestou a vontade de reencontrá-lo. Os dois não se veem desde o julgamento.