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Como se chegou até a Constituição de 1967?

A década de 1950 foi extremamente importante para a implantação do regime militar em 1964. Entender a forma como a ditadura chegou ao poder é essencial para entender a instituição e principalmente a redação da Constituição Federal do regime que foi implementada em 1967.

Elaborada sob a firme supervisão dos agentes militares do poder, a Carta tinha como objetivo a legitimação do regime iniciado pelo golpe de 1964, abandonando sua roupagem democrática e formalizando a vestimenta da ditadura militar.

Talvez a mais repressiva e supressora Carta entre todas as constituições, ela abandonava boa parte dos preceitos democráticos da Constituição de 1946, servindo, na prática, de mero pretexto para a ação truculenta e desenfreada do governo militar sobre os cidadãos que a ele tinham que se submeter.

O contexto

Durante o período de 1945 até 1964 – quando o golpe finalmente se efetivou – houve o surgimento de grupos políticos com interesses opostos no contexto do período democrático. Esses grupos, representados de um lado pelos mais progressistas e do outro pelos conservadores, acirraram a disputa pelo comando político nacional após a presidência do general Gaspar Dutra, entre 1946 e 1951.

O extremo conservadorismo de Dutra, com sua vigilância severa sobre todas as organizações de trabalhadores, bem como a repressão implícita a protestos contra o governo e a manutenção dos salários a níveis baixos, foi interrompido com a vitória de Getúlio Vargas, já ex-presidente e líder da ala mais progressista dos militares, nas eleições de 1950.

Vargas voltou ao poder como candidato do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) e, para chegar assim, utilizou-se do apelo às massas trabalhadoras e setores da classe média nas campanhas eleitorais para angariar votos da maioria insatisfeita com a linha dura de Dutra, prometendo um aprofundamento da política social e nacionalista, onde adotaria medidas de cunho público para que os desejos da população retornassem a ser amparados, só que agora, em um contexto mais democrático.

Com essas promessas de viés bastante populista, Vargas se tornou praticamente inquestionável perante seus adversários. Entretanto, é muito importante deixar explícito o fato de que durante toda a sua campanha eleitoral, Getúlio firmou alianças com boa parte dos conservadores, apesar de se declarar publicamente – e realmente o ser – progressista.

Desse modo, contraiu para si “dívidas políticas” em prol de sua reeleição que, caso ocorresse, precisavam ser pagas, principalmente junto aos conservadores que foram substanciais para que vencesse nos estados de São Paulo e Minas Gerais. Foi por isso que Getúlio, assumindo em 1951, nomeou ministros conservadores. Em consequência dessas decisões não esperadas, surgiu a primeira contradição de seu governo: apesar de progressista, os ministérios eram conservadores.

A partir desse momento, com progressistas e conservadores juntos no poder, ocorreram intensas batalhas em meio à guerra, com vitórias para ambos os lados. Entretanto, com o trabalho político nos bastidores do poder, temos então uma grande vitória do lado dos conservadores quando a maioria dos militares passou a não apoiar mais a presidência de Getúlio e sua administração. Os militares, naturalmente, eram uma classe composta principalmente por conservadores, mas que possuía elementos progressistas que foram sendo minados e, por fim, esmagados pelos rivais reacionários.

Já a principal vitória dos progressistas foi a criação da Petrobrás, empresa estatal que visava a exploração petrolífera, cujo surgimento foi amplamente contestado pelo lado conservador, que era muito mais a favor da intervenção de multinacionais no mercado brasileiro e do governo dos Estados Unidos nessa exploração de petróleo, o que, na visão do lado progressista, faria do Brasil um país ainda mais dependente das grandes potências, não se tornando ele mesmo um destaque no cenário mundial.

A opinião pública mostrou-se favorável à criação da Petrobrás, tornando a derrota dos conservadores nesse episódio quase que inevitável. Contudo, a resposta conservadora não demorou a chegar, pois, graças ao jogo político e ao projeto futuro de poder, a grande imprensa, o capital estrangeiro, a burguesia brasileira, militares e a União Democrática Nacional – um partido político brasileiro voltado ao viés conservador – se uniram em uma dura ofensiva contra o governo Vargas, sob a liderança do jornalista Carlos Lacerda.

Dentro do contexto do duro ataque ao governo majoritariamente progressista de Vargas, um incidente mudou tudo. Na madrugada de 5 de agosto de 1954, Carlos Lacerda sofreu um atentado, no qual morreu o major da Aeronáutica que estava responsável por sua segurança e proteção.

O inquérito conduzido pela Aeronáutica apresentou, nos dias seguintes ao evento que chamou a atenção de todo o país, um homem chamado Gregório Fortunato como sendo o mandante do crime. Fortunato era o chefe da guarda pessoal de Getúlio Vargas. Em outras palavras, o lado progressista, governando o país, teria, supostamente, encomendado a morte de Carlos Lacerda, mas falhou no momento em que acertou o major ao invés de atingir o seu alvo.

A repercussão desse incidente foi extremamente prejudicial à saúde mental e governamental de Getúlio, que acabou por perder todo o apoio político que lhe restava, apesar de nunca ter sido provado o seu envolvimento ou de seus assessores com o crime perpetrado contra o jornalista. Forçado a renunciar, Vargas suicidou-se na manhã de 24 de agosto de 1954.

A notícia de sua morte e a publicação de sua carta-testamento abalaram a população brasileira. Multidões saíram às ruas nas principais capitais do país. O cometimento de suicídio por parte de Vargas, medida absolutamente inesperada, gerou, conforme mencionado, um estardalhaço monumental na nação, o que fez com que a cogitação do golpe militar pela ala conservadora fosse deixada de lado naquele momento. Foi assim que a primeira tentativa de golpe fracassou. Assim, concordaram com a posse do vice-presidente Café Filho.

Nos anos que se seguiram após o fim do governo de Café Filho e ainda no período democrático, foram três os presidentes que o Brasil teve. São eles Juscelino Kubitschek, que governou de 1956 a 1961, Jânio Quadros, que ficou no poder somente no ano de 1961 e João Goulart, conhecido como “Jango”, de 1961 até o ano em que o golpe se instaurou.

Durante seu governo, Juscelino iniciou um modelo econômico baseado na industrialização nacional em substituição às massivas exportações, o que levou o país a uma grave crise econômica, pois os grandes grupos empresariais internacionais recusavam-se a fornecer capital e tecnologia suficientes para a transição, já que os produtos brasileiros – nacionais – substituiriam os seus no mercado.

Para continuar fornecendo recursos ao Brasil, os donos do capital estrangeiro exigiam que o Brasil adotasse medidas que lhes dessem o controle praticamente completo da política e da economia nacional.

Jânio Quadros foi eleito logo após o mandato de Kubitschek e, apesar do sucesso no pleito eleitoral, logo perdeu todo o apoio do povo ao adotar medidas extremamente impopulares. Além disso, tomou também medidas que foram contrárias aos interesses da ala conservadora dos militares, o que se agravou quando percebeu-se a intenção do Executivo em se alinhar com os países comunistas, desagradando também a ala dos militares progressistas. Com todas as suas bases de apoio perdidas, Jânio não teve outra alternativa a não ser renunciar ao cargo.

Com a renúncia de Quadros, ministros militares decidiram se manifestar contrários à iminente posse do vice-presidente João Goulart, que havia sido eleito diretamente pelo povo, pois, na época, a votação para a vice-presidência era um pleito separado da votação para presidente, não havendo até então chapas que unificassem as candidaturas.

Entretanto, como frequentemente visto, as Forças Armadas possuíam enormes problemas internos com vistas à chegada ao poder, pois nem todos os militares estavam contra “Jango” nesse momento, havendo alguns que queriam que ele tomasse posse. Assim, outra tentativa de golpe fracassou em 1961.

Chegou-se, então, a uma solução conciliatória: o poder seria dado a João Goulart, mas seria restrito pela adoção do sistema parlamentarista no país. Assim, por um Ato Adicional à Constituição de 1946, estabeleceu-se no Brasil o regime parlamentarista de poder. Mas, poucos meses mais tarde, o parlamentarismo foi extinto através de um plebiscito, visto que a nova forma de poder não agradou a população brasileira, de forma que Jango, se vendo agora livre da burocracia parlamentar, tornou-se presidente com plenos poderes.

Assim, ele conseguiria pôr em prática as reformas de base, que acreditava ser o ponto central de uma boa política pública.

Jango tinha a ideia de promover muitas reformas: a agrária, a do sistema bancário, a do processo eleitoral, a do sistema tributário e a da legislação que dizia respeito ao capital estrangeiro. O objetivo era reformar o Brasil como um todo, tratando-o como novo, o que o fazia defender que uma reforma na Constituição de 1946 também fosse necessária.

Entretanto, assim que anunciou seus planos para o reparo nacional, Jango foi acusado de ser um “agente do comunismo internacional” infiltrado no Brasil, o que era uma grave acusação no contexto da Guerra Fria.

Mesmo assim, ele ainda tentou pôr em prática seu plano de uma política reformista. Contudo, o lado militar conservador, apoiado pelo governo estadunidense, derrubou João Goulart em 31 de março de 1964. Era o início da ditadura militar.

Goulart teve de abandonar o país e partiu para o exílio no Uruguai, onde acabaria morrendo alguns anos mais tarde. Com Jango removido do poder, o marechal Castelo Branco assumiu a presidência pouco tempo depois.

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A Constituição

Logo após os militares tomarem o poder de João Goulart e instaurarem uma ditadura após terem falhado por duas vezes anos antes, a Constituição de 1946 começou a ser invalidada pouco a pouco através do que chamaram de Atos Institucionais – ou AI’s -, decretos de cunho extremamente autoritário que davam ao presidente em exercício poderes praticamente absolutos perante a lei e à população, apesar de haver uma Constituição em vigor que o proibia disso.

O Ato Institucional 1 (o AI-1) foi decretado poucos dias após o golpe e redigido pelo autor da Constituição Polaca de 1937, dando ao Executivo poderes para cassar os mandatos parlamentares que bem quisesse, além de dar a possibilidade de decidir suspender os direitos políticos dos cidadãos por 10 anos.

Ainda em 1964, o Ato Institucional 2 acabou por decretar o fim de todos os partidos políticos existentes até então, formalizando que crimes contra a segurança nacional seriam julgados exclusivamente por tribunais militares.

Já o Ato Institucional de número três, de 1966, eliminou as eleições diretas para governador, enquanto que o AI-4 determinou as regras para que fosse aprovada a Constituição Federal de 1967, projeto criado pelos militares com fins de fortalecer com barreiras impenetráveis – mais do que os duros Atos anteriores – o Poder Executivo.

O Ato Institucional número cinco, conhecido por ser o mais violento e duradouro de todos os atos que foram baixados pela ditadura, suspendeu o habeas corpus, deu ao presidente poderes para fechar o Congresso Nacional por tempo ilimitado e de suspender todos os direitos políticos de qualquer cidadão. Mais ainda, qualquer pessoa atingida pelos efeitos do AI-5 que quisesse se manifestar judicialmente estava proibida de fazê-lo.

Preocupados em restaurar a Constituição como lei máxima, os militares incorporaram todos os atos institucionais à Constituição na Emenda Constitucional nº 1 de 1969, o que acabou, em efeitos práticos, funcionando como uma atualização mais radical do já autoritário texto de 1967.

Considerando esta Emenda, a Constituição Federal de 1967 instituiu, além do já mencionado AI-5, o fim das eleições diretas para o Executivo federal, o que na prática já não era possível desde o Ato Institucional 3, que anulou qualquer possibilidade de pleitos justos;

Além disso, oficializou a capacidade do Executivo de legislar por decretos, a extinção dos partidos políticos existentes (AI-2), o fim da liberdade de expressão e do direito à greve.

Embora previsse os direitos básicos de liberdade, segurança individual e propriedade, além do direito de reunião e associação para fins lícitos, nenhuma dessas prerrogativas era assegurada de fato, visto que decretos e emendas podiam ser usados para anulá-los a qualquer momento.

Uma das áreas pouco afetadas pela arbitrariedade estatal foram os direitos trabalhistas, que mantiveram muito do previsto nas constituições anteriores: salário mínimo, jornada diária de oito horas, proibição da diferença salarial no mesmo ofício e do trabalho infantil.

Sem embargo, como dito no início de tudo isso, a Constituição de 1967 é, provavelmente, a mais repressiva e supressora Carta dentre todas as constituições que já tivemos, não sendo um momento feliz da longa história brasileira.


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