Constituição Federal de 1988: Confira a história completa da atual Constituição do país
A Constituição Federal de 1988, conhecida como a “Constituição Cidadã”, é a que hoje rege todo o ordenamento jurídico brasileiro, devendo toda legislação se subordinar aos direitos basilares ali constados.
Desde a independência do Brasil em 1822, é a sétima Constituição que se tornou vigente em nosso país e a sexta desde que nos tornamos uma República, sendo vista como um marco no que toca os direitos dos cidadãos brasileiros, garantindo liberdades civis e estipulando deveres do Estado que antes não eram previstos.
A Carta Magna de 1988 foi o resultado do processo de redemocratização do nosso país e colocou no papel os grandes desejos da população por leis e direitos que resguardassem os interesses públicos e o bem-estar da população. A redação de uma nova Constituição para o Brasil era algo extremamente desejado por diversos grupos da nossa sociedade desde quando a ditadura foi instaurada em 1964.
Assim, para compreender melhor os passos que precisaram ser trilhados para que chegássemos à criação desse documento tão importante para a democracia brasileira, é preciso voltar aos tempos sombrios do regime militar.
A ditadura
Para sermos mais didáticos, podemos dividir esse período (1964-1985) em duas fases: o autoritarismo e sua expansão e o momento de abertura política.
Quanto ao autoritarismo, é importante deixar fixo o fato de que o o sistema partidário do país foi extinguido pelo Ato Institucional 2 (AI-2), que em sua escrita determinava o fim de todos os partidos organizados e existentes até então. Com a instalação do ato, as autoridades federais permitiram, para que houvesse uma falsa sensação de que a democracia ainda imperava, a formação de dois novos partidos: o ARENA (Aliança Renovadora Nacional), que estava ao lado do governo e abrigava seus membros, e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), que servia como uma espécie de oposição.
O ARENA era a ampla maioria em todo o Congresso Nacional e tinha disponível o total apoio do governo, enquanto o MDB existia sob a constante ameaça de seus membros deputados serem cassados de seus cargos.
Com a instituição do AI-2, a resistência à ditadura aumentava consideravelmente, apesar da repressão e da forte censura à imprensa. Mesmo que grande parte dos opositores do regime tenham escolhido permanecer em silêncio perante os afrontes governamentais, muitos decidiram se aliar ao Movimento Democrático Brasileiro como forma de mostrar resistência àquela situação autoritária e de controle nacional por parte dos militares.
Alguns – a minoria deles – também optaram pela realização de movimentos de guerrilha urbana.
Entretanto, a luta armada, que teoricamente amedrontaria o exército, que veria uma força popular gigante contra sua bolha de poder, acabou fortalecendo o regime, pois concedeu aos militares governantes e filiados ao ARENA a oportunidade de criar métodos cruéis no combate aos seus opositores. Torturas, prisões políticas e assassinatos não eram fatos extraordinários. Se tornou o cotidiano.
Os protestos estudantis também foram marcantes, tanto pelo engajamento massivo de universitários tanto quanto pela crueldade com que eram tratados pelos militares.
Entre os políticos, a oposição ao regime se deu através da chamada “Frente Ampla”. Nomes famosos como Juscelino Kubitschek, João Goulart – que estava exilado neste momento – e Carlos Lacerda se organizaram nesse movimento, que acabou extinto em 1968 pelo então general Costa e Silva. Importante notar que, no que tange à Carlos Lacerda, este foi um firme apoiador da ascensão dos militares e inclusive colaborou para que seu desejo se tornasse realidade. No entanto, assim como ocorreu com diversos apoiadores do início da ditatura, mudou de lado e passou à oposição na mesma proporção com que apoiava.
Um importante fator da expansão do autoritarismo durante a ditatura militar no Brasil foi o que ficou conhecido como “milagre econômico“.
No governo do general Emílio Médici, que durou de 1969 até 1974, era comum ver slogans de propaganda governamental afirmando que este era um país que “ninguém segurava”, ou que esta era uma nação daquelas que “vai pra frente”. Durante o governo Médici, é verdade que tivemos um ferrenho crescimento econômico sem nenhum precedente na história brasileira, que nos alçou ao status internacional de país “campeão de crescimento econômico mundial” na década de 1970.
As causas para esse “milagre”, que como o nome mesmo indica, aconteceu do absoluto nada e de maneira completamente inesperada, foram internas e, principalmente, externas. O governo concedeu, nesse período, muitos incentivos fiscais, favorecendo novos investimentos por parte de empresários brasileiros, além de ter investido volumosos recursos em todas as áreas da economia nacional. Entretanto, por mais que os fatores internos tenham sido de considerável mais valia, os principais responsáveis por esse crescimento foram os fatores externos.
No início dos anos 1970, o comércio internacional entrou em uma fase muito dinâmica, de modo que as exportações brasileiras, em todas as vertentes, aumentaram muito, colaborando vertiginosamente para o crescimento de inopino da economia. Além disso, as autoridades militares concederam uma grande paleta de privilégios às empresas multinacionais, que passaram, com isso, a naturalmente investir em peso no Brasil. Ao mesmo tempo em que esses privilégios ocorriam, os bancos internacionais concediam empréstimos gigantescos com frequência, alimentando cada vez mais rápido esse crescimento na economia brasileira.
O período do “milagre” foi engenhosamente explorado pelo governo ditatorial por meio de grandes campanhas de propagandas em prol do regime. A publicidade era um importante fator para a manutenção do poder militar. A vitória da seleção brasileira na Copa do Mundo de 1970, por exemplo, acabou sendo utilizada pelo governo para estimular o nacionalismo e otimismo na população.
Apesar desse crescimento econômico ser um fato na história brasileira, em poucos anos, porém, a economia brasileira entrou em uma severa ruína e o “milagre econômico” caiu. A classe média, que durante o milagre podia comprar automóveis, televisão que transmitia imagens com cores e equipamentos de som avançados para suas casas, passou ao extremo contrário onde tinha que fazer filas nos supermercados para poder comprar alimentos antes que a hiperinflação que se implantou corroesse o valor da moeda.
Uma das causas para o fim deste “milagre” foi a falta de preocupação governamental com os aspectos sociais do país, mais preocupados em fazer propaganda de um bom governo do que efetivamente o serem à longo prazo. Em outras palavras, é razoável afirmar que o crescimento econômico exponencial que tivemos não trouxe desenvolvimento. Isso porque a esmagadora maioria dos brasileiros não se beneficiou do crescimento econômico que tivemos no cenário mundial, de forma que as camadas mais ricas ficaram ainda mais ricas, enquanto que as mais pobres permaneceram em seu estado de penpuria quando, não raro, tinham seu quadro agravado.
Quando a euforia da economia mundial finalmente se conteve, muito por conta da crise do petróleo ocorrida em 1973, as nossas exportações caíram substancialmente. Para que nossas indústrias continuassem a vender seus produtos, seria necessário um grande e ativo mercado interno, o que não era o nosso caso.
A classe média, a essa altura, já possuía um excessivo acúmulo de bens duráveis, como automóveis e televisões, e não tinha mais condições de consumir a grande quantidade de produtos que entrava diariamente no mercado. Já a classe mais baixa, que nunca teve condições de usufruir dos bens de consumo que a classe média podia, agora não chegavam nem perto, em razão dos baixíssimos salários, de sonharem com essa realidade.
As consequências dessa queda de consumo foram a uma produção industrial nacional muito estagnada, o não acompanhamento da inflação no que tange ao salário-base da classe média, o desemprego generalizado e muito presente, a inflação inconstante e a dívida externa extraordinariamente alta.
Diante desse cenário, o Regime Militar recorreu a uma intensa privatização do Estado, na tentativa de transportar os prejuízos de seu governo para o setor privado. Essa decisão de poder permitiu com que pequenos grupos econômicos controlassem alguns segmentos do Estado, buscando, como burgueses que são, seus únicos interesses, o que ajudou ainda mais a estagnar o desenvolvimento brasileiro e agravar a crise de vez.
Com a entrada do governo de Ernesto Geisel, que durou o interim de 1974 a 1979, percebeu-se que se a ditadura militar continuasse como estava, a insatisfação popular ficaria tão massivamente geral, com apoiadores sendo meras formigas em meio ao enorme mundo de opositores, que poderia levar à sua queda.
Isso porque a economia só ia para baixo com o fim do “milagre”, sendo que nenhuma medida que era tentada com o fim de melhorá-la tinha êxito. A sociedade civil, por sua vez, já estava muito cansada da falta de liberdade e da política pública militar, havendo considerável insatisfação com a duração do regime.
Desta forma, o governo optou por promover a abertura política do Brasil. Apesar do que se imagina quando se lê “abertura política”, é mister deixar claro que a intenção de Geisel não era o abandono militar do poder e o reestabelecimento da democracia no país. A ideia aqui era a tal abertura ser uma estratagema que daria condições ao regime de sobreviver em uma época de dificuldades políticas e econômicas.
Desse modo, a repressão policial e do exército aos poucos foi diminuindo, os atos institucionais, marcos importantes da ditadura, foram sendo suspensos, o movimento estudantil foi conseguindo se reorganizar, o sistema eleitoral foi sendo democratizado e a imprensa, aos poucos, foi tendo sua liberdade de volta. Mais ainda, os exilados e presos políticos receberam anistia e permitiu-se que novos partidos políticos se formassem no país.
Com a possibilidade da criação de novos partidos novamente à tona, ocorrida em 1979, os que apoiavam o governo, por meio do ARENA, permaneceram unidos em um único partido, o PDS (Partido Democrático Social), enquanto que o MDB se dividiu em PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), PT (Partido dos Trabalhadores) e outras organizações políticas.
Em 1980, foi aprovada uma emenda constitucional – a Emenda Constitucional nº 15, de 1980 – que restabelecia as eleições diretas para governadores de estado. Isso servia para mostrar que as proporções da abertura política estavam aumentando, o que agradava a grande oposição da população geral do país, mas desagrada severamente os grupos mais conservadores.
O episódio do Riocentro (1981) é um importante evento dessa época do país: no feriado do dia do trabalho, militares ligados aos órgãos de repressão tentaram, sem sucesso, explodir uma bomba em um show que contaria com a presença de grandes nomes da música popular e milhares de pessoas que eram contra o regime. Porém, por um infortúnio – talvez um agir divino -, a bomba explodiu no colo do sargento que a carregava, matando-o e ferindo gravemente o capitão que estava ao seu lado no carro que se locomoviam.
Esse episódio quase anedótico contribuiu muito para o desgaste do governo ditatorial, degradando inclusive entre a relação entre os próprios militares governistas. Não é hiperbólico dizer que a explisão destinada ao Riocentro apressou o fim do regime. A oposição, com o evento, se intensificou e endureceu a sua posição, momento que foi criado o movimento mais significativo da história contra a repressão militar: a famosa campanha das “Diretas Já”.
Esse movimento começou após o deputado Dante de Oliveira apresentar um projeto de emenda constitucional que tinha como fim instituir eleições diretas para o cargo presidencial em 1984.
O projeto não foi aprovado no Congresso Nacional devido a um forte movimento político por parte do Partido Democrático Social, antigo ARENA, e particularmente do então presidente desse partido, o senador José Sarney. A participação popular nas “Diretas Já” foi imensa e nunca antes vista, de modo que até hoje, além de ser considerado um dos maiores movimentos de massas já vistos na história do Brasil, é, como citado, o movimento mais rotundo da história das oposições organizadas ao regime que vigorava.
Mesmo com a pressão popular, as eleições para presidente de 1985 foram indiretas, onde o Congresso Nacional, através do Colégio Eleitoral, escolheu o presidente do país. O PMDB lançou como candidato à presidência o governador de Minas Gerais Tancredo Neves e à vice-presidência José Sarney, que se desligou do PDS, filiado à ditadura, e se filiou ao partido opositor. Enquanto isso, o PDS escolheu como candidato Paulo Maluf.
A opinião pública, naturalmente, apoiou pesado a candidatura de Tancredo e, assim, com isso, ele acabou sendo eleito pelo Colégio Eleitoral. Sua vitória acendeu muitas esperanças na sociedade de que logo todos os brasileiros poderiam ir às urnas escolherem eles mesmos quem queriam no poder. Surgiu, nessa época, a expressão “Nova República” para dar nome à este regime que estava substituindo a ditadura militar. Esse nome dava ao brasileiro a sensação de que poderia existir a expectativa de que, a partir do restabelecimento da democracia, caminharíamos para uma condição de menor desigualdade social, crescimento econômico e combate à corrupção e à inflação.
Inesperadamente, porém, veio a doença e a morte de Tancredo Neves. Perplexa, a população teve de assistir sem que nada pudesse ser feito à posse de José Sarney na presidência da República, um homem que havia apoiado por muito tempo a ditadura, fora senador pelo ARENA, presidente do Partido Democrático Social e importante articulador da recusa parlamentar quanto ao projeto de emenda constitucional que instituía as eleições diretas para presidente.
A vinda da constituição
Em 1986, durante a presidência de José Sarney, houve eleições para o Congresso Nacional, onde foram escolhidos novos deputados e senadores. Essa eleição geral era extremamente importante para a história do país, pois os deputados e senadores eleitos formariam a chamada Assembleia Nacional Constituinte, responsável por redigir a nova Constituição que entraria em vigor.
Os candidatos eleitos tomaram posse em 1º de fevereiro de 1987 e, então, começaram os trabalhos. O labor de redação da Constituição de 1988 foi bastante longo, pois o texto foi redigido do zero e inúmeras questões foram debatidas e incluídas pelos congressistas. Isso aconteceu por conta da ampla participação popular no processo, o que tornou o caminhar da produção constitucional bastante democrática – e complexa. Diversos grupos populares participaram da produção e foram enviadas 122 emendas populares para a Assembleia Nacional Constituinte. Estima-se que essas emendas populares recebidas pelos deputados e senadores continham a assinatura de mais de 12 milhões de pessoas.
A Assembleia Constituinte teve 559 congressistas que trabalharam diretamente na composição da nova Constituição brasileira. O teor predominante quando da redação da nova Constituição era o de garantir um regime democrático no Brasil que assegurasse os direitos e as liberdades dos cidadãos e o de constituir instituições democráticas que se sustentassem em momentos de crise política.
A maioria dos constituintes eram de partidos do chamado Centro Democrático. O presidente da Constituinte foi o deputado Ulysses Guimarães, do PMDB. Entre os constituintes também estavam figuras importantes, como os futuros presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva.
Durante um ano e oito meses foram realizados todos os esforços de produção, os quais resultaram na promulgação da Constituição no dia 5 de outubro de 1988.
O texto final da Constituição foi apresentado pelo presidente da Assembleia Ulysses Guimarães.
Elementos e conquistas da Constituição Federal de 1988
A Constituição Federal promulgada no dia 5 de outubro daquele ano trouxe importantes elementos em seu conteúdo, os quais regem a forma como nossa República funciona até os dias de hoje. Dentre elas estão o sistema presidencialista de governo, com eleição direta em dois turnos para presidente; a transformação do Poder Judiciário em um órgão independente ao Legislativo e Executivo, dando aptidão àquele para julgar e anular atos dos outros poderes.
Mais ainda, determinou medidas de assistência social, ampliando os direitos dos trabalhadores; criou medidas provisórias que, hoje, permitem ao presidente da República, em situação de emergência, decretar leis que posteriormente seriam examinadas pelo Congresso Nacional; deu direito ao voto para analfabetos e menores de idade entre 16 e 18 anos de idade;
Entretanto, o maior dos elementos foi permitir com que houvesse uma ampla garantia de direitos fundamentais, que são listados logo nos primeiros artigos, antes da parte sobre a organização do Estado.
No conjunto, a Constituição Federal de 1988 se caracteriza por ser amplamente democrática e liberal. Por garantir muitos direitos fundamentais e cláusulas pétreas importantes ao cidadão brasileiro, tendo tido uma volumosa participação popular na elaboração de seus dispositivos, ficou conhecida como Constituição Cidadã e é considerada por muitos especialistas como uma peça fundamental para a consolidação do Estado democrático de direito no país, bem como da noção de cidadania.
É certo que a Constituição de 1988 não é um documento perfeito e isso é deixado claro por historiadores que apontam as limitações à Carta em questões que envolvem, por exemplo, a reforma agrária e as limitações dos direitos políticos dos analfabetos, que podem votar, mas não podem candidatar-se.
Fato é que, sem dúvidas, a Constituição Federal de 1988 representa até os dias atuais um grande avanço no que pensa-se serem os objetivos ideais para o desenvolvimento social do Estado quanto aos objetivos sociais do Estado. Os governos que sucederam a criação da Lei Maior devem buscar – ao menos em tese – com que sejam atendidas as necessidades e os sonhos do povo brasileiro ali colocados.