Revolução Federalista: o que foi e como terminou
Após a proclamação da República em 1889, Marechal Deodoro renunciou ao seu cargo em 1891 em razão da sua frágil condição de saúde e do também doente apoio político que tinha, entregando o cargo para o então vice-presidente Marechal Floriano Peixoto, que assumiu a presidência do Brasil.
Floriano chegou ao governo em um momento muito importante. Isso porque o país estava entregue a inflação, a atividade econômica exigia créditos e o governo não tinha muitas alternativas senão a de continuar seu programa de governo. No campo político, as dificuldades eram muitas. Além de Floriano possuir adversários por toda a parte, revoltas aconteciam em diversas partes do país, bem como prisões arbitrárias com a imprensa atacando sem tréguas. Entretanto, Peixoto tinha como objetivo enfrentar as rebeliões que abalavam o governo da maneira mais dura que podia pensar.
A rivalidade entre Gaspar Silveira Martins, do Partido Nacional Federalista, e Júlio de Castilhos, um republicano, para o governo do Rio Grande do Sul, foi a gota d’água para a eclosão do que conhecemos como Revolução Federalista, que cresceu como um movimento de contestação ao governo de Floriano.
A confusão no Rio Grande do Sul era intensa, pois, derrotado nas urnas, os partidários de Silveira Martins resolveram, então, conquistar o poder pela força, acendendo o curto pavio da guerra civil.
Os Pica-paus e os Maragatos
Desse conflito que surgia, ergueram-se como personagens principais os Pica-paus e os Maragatos.
Os Pica-paus, expressão usada pelos federalistas para identificar quem tinha simpatia com o movimento republicano, teve a origem de seu nome no fato de que havia bastante semelhança entre o símbolo encontrado nos quepes dos militares simpatizantes com a imagem do pássaro pica-pau.
Já os Maragatos, uma fusão de federalistas e parlamentaristas, teve como origem a região de Leon, na Espanha, mais precisamente no distrito de Maragateria, onde seus habitantes eram chamados de maragatos. Esse grupo usava calças cheias de pregas e ajustadas nos joelhos, amavam cavalos, a tenda e a lança. Eram chamados também de federalistas ou revoltosos.
Imigrando para a cidade de São José, no Uruguai, muitos dos Maragatos participaram do chamado Exército Libertador, liderado por Gumercindo Saraiva, que foi nominado o Napoleão dos Pampas, sendo considerado um audaz e intrépido guerreiro. Carismático, eletrizava seus comandados e era considerado um bravo soldado, mesmo pelos seus adversários.
1893
Quando Júlio de Castilhos assumiu o governo do Rio Grande do Sul com o apoio do presidente Marechal Floriano Peixoto, as perseguições surgiram de todos os lados contra os federalistas, cuja ideia era chegar até o Distrito Federal – na época no Rio de Janeiro – e depor a República.
Incentivado pela revolta da Armada, comandada pelo almirante Custódio José de Mello, que também pretendia depor o presidente Marechal Floriano e restaurar o regime constitucional, o Partido Federalista uniu seu movimento com o da Revolta da Armada, demonstrando publicamente o grau de entendimento e igualdade de propósito de seus chefes.
Os federalistas planejavam avançar sobre os estados de Santa Catarina e Paraná que, desprevenidos, consideravam que se tornariam presas fáceis. Após isso, penetrariam em São Paulo, onde agrupariam pessoas contra o governo de Floriano Peixoto, a fim de preparar o avanço até a capital federal.
No dia 06 de setembro de 1893, no porto do Rio de Janeiro, a Esquadra brasileira, sob o comando de Custódio de Mello, amanheceu revoltada, exatamente quando o Rio Grande do Sul atingia o máximo de sua crise.
O Paraná mobilizou suas forças policiais e organizou tropas civis para auxiliar na defesa. O Dr. Vicente Machado criou o Batalhão Patriótico chamado “23 de Novembro”, composto por diversos voluntários, havendo dentre eles, inclusive, alguns funcionários públicos estaduais. No dia 29 de setembro de 1893, o Batalhão Patriótico foi agrupado junto com o Regimento de Segurança do Paraná, formando, assim, uma Brigada Provisória, que ficou sob o comando do coronel Cândido Dulcídio Pereira.
Essa Brigada foi colocada a disposição do governo federal e em seguida passou a integrar a Coluna Expedicionária, sob o comando do general Francisco de Paula Argolo.
Os federalistas – maragatos – já haviam tomado Florianópolis, que ficou sendo a capital da República Federativa.
A Coluna Expedicionária do Paraná rumou para o campo de luta, seguindo pela Lapa e alcançando o Rio Negro. Depois, atravessou o Rio da Várzea. Em 11 de novembro de 1893, estava em São Bento, Santa Catarina, onde o general Argolo instalou um governo provisório em nome da República.
Então, chega à notícia de que os federalistas avançavam pela estrada da com cerca de três mil homens. O general Argolo recua para poder guarnecer o Rio Negro, onde, ali, recebeu uma intimação do general Piragibe, comandante do Exército Nacional Provisório – maragatos -, para que se entregasse, já que teoricamente estava cercado, junto à sua tropa, por 1500 homens.
No dia 19 de novembro, os federalistas tentaram tomar a passagem do Rio Negro, mas não conseguiram obter êxito. Já no dia 21 do mesmo mês, um grupo de cavalaria do Regimento de Segurança do Paraná, sob o comando do capitão Custódio Gonçalves Rollemberg, teve destacada atuação ao travar violentos combates com as forças revolucionárias para defender o Rio Negro.
Como continuava o fogo de artilharia no Rio Negro, o general Argolo decidiu finalmente se retirar do local para a linha do Rio da Várzea e a seguir para a cidade da Lapa, que seria o ponto de concentração das tropas legalistas. No Rio da Várzea encontraram a ponte destruída pelos revolucionários. A mesma foi reconstruída às pressas pelo engenheiro Hercílio Luz.
O capitão Rollemberg, com seu grupo de cavalaria, foi designado para permanecer na retaguarda para garantir o avanço da tropa. Novamente entra em ação com a tropa inimiga, conseguindo repeli-la, a colocando em retirada.
No dia 23 de novembro de 1893, o general Argolo, com sua Coluna Expedicionária, chegava à Lapa. Ali, ele foi substituído pelo coronel Antônio Ernesto Gomes Carneiro e o comando de todas as operações foi entregue ao general Antônio José Maria Pego Júnior. Carneiro assume o seu posto, ordenando a resistência a todo o custo, não importasse qual fosse. Seu efetivo era mais ou menos de 900 homens, incluindo 11 oficiais e 174 praças do Regimento de Segurança.
Carneiro determina uma incursão à região com o objetivo de tirar abrigo dos inimigos. Era uma experiência inédita que fazia com o seu pessoal, cabendo essa missão, em grande parte, aos integrantes do Regimento de Segurança que conheciam bem como poderiam andar por aqueles lugares.
No dia 14 de dezembro de 1893, um destacamento que estava sob o comando do capitão Rollemberg atravessou o Rio da Várzea, atacando a força de Piragibe pela retaguarda, enquanto que o grupo do capitão Clementino Paraná forçava a ponte, em ataque frontal, conseguindo cortar a retirada dos revolucionários.
O combate foi violento e os federalistas sofreram muitas baixas, deixando 19 prisioneiros. Armas, carretas de munições, cavalos e muitos itens foram perdidos afogados.
Paraná, Curitiba e Paranaguá estavam praticamente tomadas pelas tropas federalistas de Gumercindo Saraiva. Tijucas, um dos últimos focos, havia se rendido. Só restava, então, um único ponto de resistência: a Lapa. Cercada de montanhas, a pequena cidade parecia o local propício a não resistir a mais de 48 horas de combates, como calculava Gumercindo.
1894
Para recapitular, os pica-paus somavam cerca de 900 homens mal treinados. A maioria, como vimos, eram civis voluntários e, como consequência, inferiorizados belicamente. Por outro lado, os Maragatos dispunham de um exército de mais de 3 mil homens bem preparados e colocados em pontos estratégicos.
O comando das operações dos pica-paus estavam com o Coronel Antônio Ernesto Carneiro Gomes, mineiro de Cerro, tendo este já combatido na Guerra do Paraguai e o Coronel Cândido Dulcídio Pereira do Regimento de Segurança do Paraná, ambos, excepcionais estrategistas, exemplos de disciplina obstinada ao cumprimento do dever.
Já os maragatos eram liderados por Gumercindo Saraiva, um audaz e intrépido guerreiro que, carismático, eletrizava seus comandados e era considerado um bravo soldado, mesmo pelos seus adversários.
No dia 13 de janeiro de 1894, os federalistas já se encontravam acampados a quatro quilômetros da cidade, enquanto recebiam reforços das tropas que tomaram os locais anteriores.
Já comando da resistência procurava manter o moral elevado, tentando se alegrar com a tropa pelos triunfos até então conseguidos, solicitando que todos mantivessem a constância e resignação pelo bem da República, repetindo que em breve sairiam vencedores e a paz voltaria à reinar.
Na noite do dia seguinte – 14 de janeiro de 1894 – começa aquele que seria um dos maiores feitos cívico militar do Brasil: o Cerco da Lapa. Neste dia deu-se início o cerco da cidade, com federalistas se posicionando em vários pontos estratégicos. No dia 17 de janeiro, a Lapa foi atacada por esses pontos.
Lapa estava literalmente sitiada. Os tiros da artilharia pesada vinham de todos os lados e os lugares mais visados, eram a praça, o cemitério e a casa que servia como hospital. Barricadas e trincheiras eram construídas para fazer defesa às ações dos federalistas. A cada dia de batalha, a cidade da Lapa se dividia em um amontoado de cadáveres e muitos feridos agonizavam esperando que a sorte não os matasse.
Foram dias de combates contínuos onde os canhões federalistas disparavam projéteis pesados. O mau cheiro dos cadáveres em decomposição, bem como as chuvas de verão castigavam a Lapa e as comunicações estavam todas cortadas. Reinava o caos absoluto.
Já, no dia 22 de janeiro, os federalistas tomaram a estrada-de-ferro, o cemitério e o engenho Lacerda.
O Regimento de Segurança fez uma investida contra os federalistas e, depois de desalojá-los das matas adjacentes, retomou algumas casas da orla da floresta, numa luta corpo-a-corpo, readquirindo, à tarde, as posições perdidas.
O capitão Clementino Paraná, com 22 homens do Regimento de Segurança, transpondo as trincheiras e abrigado pelo mato rasteiro, avançou e expulsou os invasores da estação a tiros e a coronhadas, quando foi, então, ferido. Uma bala lhe atingiu o ventre e foi salvo por um homem da região.
Os combates continuavam. Os federalistas, abatidos, retrocederam, deixando para trás muitos de seus homens mortos, feridos e outros que foram presos. Nos demais dias de janeiro, os federalistas bombardearam a cidade com seus canhões durante o dia e a noite, com o intuito de levar as forças republicanas ao cansaço.
As tropas defensoras da Lapa apresentavam um aspecto desolador. A munição se esgotava. Faltava remédio e alimentos. O mau cheiro dos corpos era um verdadeiro castigo e havia um extenso cansaço ainda que todos deveriam se manter firmes vinte e quatro horas por dia. Com as chuvas, as trincheiras se transformavam em grandes lodos.
No dia 7 de fevereiro de 1894, do alto da torre da Matriz, o coronel Cândido Dulcídio Pereira, observava o movimento das tropas federalistas, armado com um rifle de ação rápida que usava para combater os sitiantes – referência dada aos federalistas durante o conflito.
Quando se preparava para sair da torre, foi ferido por uma bala que atravessou o seu porta-revólver e alojou-se em sua barriga. Ele foi atendo pelo Dr. João Cândido e depois conduzido a residência do coronel Joaquim Lacerda.
No mesmo dia 7 acontece o mais violento combate do conflito. Era madrugada, quando se deu o primeiro estrondo. Era o ataque dos Maragatos. Estes avançavam pelos quintais das casas das Ruas das Tropas, Boa Vista e Alto da Lapa. Era o ataque fulminante sobre as trincheiras da defesa.
No dia 8 pela manhã, Cândido Dulcídio Pereira foi declarado morto por nao ter conseguido resistir aos ferimentos.
Assim, no dia 11 de fevereiro de 1894, diante da dramática situação em que se encontravam civis e militares, após 26 dias de intensos combates, caía à última linha de defesa. O comandante recebe um ofício do General Laurentino Pinto Filho, das forças federalistas, propondo em bons termos uma rendição.
O acordo foi assinado e a notícia da assinatura daquele correu por todo o país como um rapidamente.
Com os federalistas comandando Paraná, Curitiba, Paranaguá e, agora, a Lapa, para reequipar seus batalhões, os federalistas precisavam angariar fundos e para isso foi nomeada uma comissão liderada pelo Chefe político Ildefonso Pereira Correa.
O Regimento de Segurança foi reorganizado pelos federalistas com o nome de Regimento Policial do Paraná, assumindo o seu comando o coronel revolucionário José Luiz de Souza Pires, permanecendo no cargo até o dia 3 de abril de 1894, sendo substituído pelo coronel Rodolpho Nunes Pereira, que ficou até o dia 16 de abril, quando foi exonerado, passando a responder pelo comando o major Aristides Francisco Guarnier.
Como Fiscal do Regimento, foi nomeado o ex-alferes do Exército, Pedro Nolasco Alves Ferreira.
Retomada do Poder
No mês de março de 1894, o “governo central” ordena a ida das tropas para operações de guerra em direção à fronteira do Paraná. Gumercindo Saraiva, amedrontado com o ato, recua. Sua única chance foi voltar para o Rio Grande do Sul. Muitos federalistas se refugiaram no Uruguai e na Argentina.
No dia 1º de maio de 1894, o 2º Regimento de Infantaria, vindo de São Paulo, chegava a Curitiba pondo em fuga os rebeldes revolucionários que ali se encontravam. Centenas de prisões foram feitas, lotando os quartéis, sem contar os fuzilamentos em massa.
O major revolucionário Pedro Nolasco Alves Ferreira, então Fiscal do Regimento, também foi preso e fuzilado em Paranaguá, sob acusação de ter fornecido informações confidenciais e se apoderado de dinheiro. O médico do Regimento, Dr. Gastão de Aragão de Mello, também foi fuzilado em Santa Catarina.
Se encerrava a Revolução Federalista. Vencia, ao fim de tudo, o “governo central” de Floriano Peixoto.
“O Marechal de Ferro”
Ao encerrar a Revolução Federalista, Floriano Peixoto se consolidou como mantenedor da República, demonstrando que podia lidar, em seu tempo, com reações contrárias que pudessem desestabilizar o regime republicano.
Floriano ficou marcado também como o “Marechal de Ferro”, em virtude da forma violenta como reagiu aos ataques armados de seus adversários.